Sergio Weinfuter

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A poetisa que falava coisas

A poetisa que falava coisas



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                                    Imagem: http://blog.cancaonova.com/padreadrianozandona/tag/poesia/




Eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo Eu era ar, espaço vazio, tempo E gases puro, assim, ô, espaço vazio, ô Eu não tinha formação Eu não tinha formatura Não tinha onde fazer cabeça Fazer braço, fazer nariz Fazer céu da boca, fazer falatório Fazer músculo, fazer dente Eu não tinha onde fazer nada dessas coisas Fazer cabeça, pensar em alguma coisa Ser útil, inteligente, ser raciocínio Não tinha onde tirar nada disso Eu era espaço vazio puro. (Patrocínio, 2001, p. 82).
Autor em Título da fonte



Assim ela falava andando pelos corredores da Colônia Psiquiátrica Júlio Moreira, onde estava internada desde 1966, devido sofrer de esquizofrenia hebefrênica, evoluindo sob reações psicóticas e personalidade psicopática. Por causa dessa doença ela não poderia ficar no convívio com as demais pessoas, a não ser, em um local totalmente controlado como a colônia.


6329d71f.jpgMesmo sofrendo dessa terrível doença, ela andava altiva dentro da colônia e sem parar, continuava a falar para quem quisesse ouvir, a sua poesia. Ela se destacava das demais pessoas, fazendo com que todos que entrassem no local, a vissem, mesmo se não quisesse vê-la. Uma dessas testemunhas que viu a descreveu da seguinte forma: Parecia uma rainha, não se portando como as outras, que se aglomeravam, pedindo sempre. Diferenciava, em um silêncio agudo, sua forma própria de se colocar no espaço. Impossível era não vê-la: negra, alta, com muita dignidade no porte, algumas vezes enrolada em um cobertor com o rosto e os braços pintados de branco” (Mosé in Patrocínio, 2001, p.20).


Assim era ela, mesmo vivendo em uma colônia, ela não se curvava. Com sua elegante figura não deixava a doença  abater seu espírito inquietante, dedicava-se a falar para si mesma ou para quem quisesse ouvir, deixando como legado a sua bela  e poderosa poesia.


Embora tantas pessoas a conhecesse e já tivessem ouvido a sua voz cativante andando pelos corredores da colônia, nem um delas havia se interessado pelo que ela estava dizendo, até que a entre os anos de 1986 a 1988 a artista plástica Neli Gutmarcher – Professora de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro – E seu grupo de alunos foram convidados pela psicóloga Denise Corrêa para montar um ateliê na Colônia Juliano Moreira. (Luna, 2010)


Esse grupo passou a trabalhar dentro das instalações da instituição com objetivo de proporcionar um relacionamento entre artistas e pacientes. Essa era a intenção inicial, os artistas mostrarem seu mundo, seu dia a dia,  para os pacientes e de alguma forma, ajudasse eles na superação ou pelo menos amenização, dos sintomas de suas doenças. A psicóloga poderia pensar que nessa troca de informações, entre pacientes e artistas, pudessem os internos passar mais tempo entretido com a arte e esquecessem, pelo menos por alguns minutos, das condições em que se encontravam.


Mas, quem se surpreendeu foi a artista plástica quando conheceu Stela do Patrocínio. Não poderia ser diferente, com seu andar altivo, sua fala desconcertante e incisiva, ela se destacava de tudo e de todos. Ao conhecer Stela a artista começou reparar em seu jeito singular de andar e passou a prestar atenção no que ela falava e para sua surpresa, começou a ouvir a mais bela e pura poesia.


50ca9139.jpgDurante o desenvolvimento do trabalho do ateliê, Stela do Patrocínio acabou estabelecendo uma ligação com a artista Neli Gutmacher e com a estagiária Carla Gaguilard que, admiradas pela poesia presente nas falas de Stela, decidiram gravá-las.” (Luna, 2010 p. 2) Estava lançado o fundamento do início e a descoberta enfim da poetisa ainda desconhecida para o mundo, mas muito conhecida entre seus companheiros (as) de colônia e trabalhadores deste local. Todos a conheciam e ouviam sua voz diariamente, mas ninguém reparava e nem prestava atenção no que ela dizia.


O impressionante é que Stela nada escreveu, ela somente falava enquanto andava pelos corredores da instituição, onde estava internada permanentemente, devido a seu estado de saúde mental. Com o material colhido no local “Em 1988 as artistas envolvidas com o trabalho na Colônia montaram a exposição “Ar subterrâneo”, no intimamente a palavra, não a palavra da comunicação, mas a palavra deslocada da interioridade e da subjetividade cotidiana.” (Luna, 2010 p. 2)



Eu estava com saúde Adoeci Eu não ia adoecer sozinha não Mas eu estava com saúde Me adoeceram Me internaram no hospital E me deixaram internada E agora eu vivo no hospital como doente O hospital parece uma casa O hospital é um hospital (Patrocínio, 2001, p.51)
Autor em Título da fonte



Essa impressionante história não ficou esquecida nos corredores da colônia devido ao esforço hercúleo de Viviane Mosé que passou a organizar, então, as falas gravadas entre 1986 e 1988 por Neli Gutmacher e Carla Guagliard, e os textos transcritos por Mônica Ribeiro em 1991. O trabalho de organização consistiu na seleção dos fragmentos apresentados e na versificação a partir do próprio ritmo já existente na fala de Stela. (Luna, 2010)


Dessa forma a impressionante e comovente história da poetisa que falava coisas foi divulgada, abrindo um mundo desconhecido para o nosso mundo, uma janela para a poesia desconhecida de Stela do Patrocínio, que vivia em um mundo somente dela; fala em sua poesia de si mesma e de sua condição. Infelizmente ela morreu no mesmo local onde foi internada em 1966 e somente após a sua morte física em 1997, seu corpo alcançou a liberdade. Mas sua alma, sempre viveu livre!



Eu já falei em excesso em acesso muito e demais Declarei expliquei esclareci tudo Falei tudo o que tinha pra falar Não tenho mais assunto, mais conversa fiada Já falei tudo Não tenho mais voz pra cantar também Porque eu já cantei tudo que tinha pra cantar Eu cresci engordei tô forte To (sic) mais forte que um casal Que a família que o exército que o mundo que a casa Sou a mais velha do que todos da família (Patrocínio, 2001, p. 141)
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Meu blog:

http://guerreiro-das-sombras.webnode.com/


Para saber mais:

https://steladopatrocinio.wordpress.com/

Luna, Ive. A maravilhosa expedição do falatório de Stela. Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/index.php/moringa/article/viewFile/4796/3623 Acesso em: 10/02/2017

PATROCÍNIO, Stela do. Reino dos bichos e dos animais é o meu nome/ Stela do Patrocínio. MOSÉ, Viviane (org). Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001



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