AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL

Sou do tempo do telefone fixo. Do orelhão. Da correria até o banco antes que as portas se fechassem, pois eu era office-boy e não havia internet banking. Fui perseguido por ladrões quando andava com altos valores em vale-transporte no centro de São Paulo. Por mais que eu seja saudosista, não sinto falta dessa época, a não ser devido à maravilhosa trilha sonora dos anos 80 que me acompanha até hoje.

Hoje em dia moro no interior do estado e apesar disso, tenho quase todas as comodidades da cidade grande. Não preciso mais sair do interior para comprar um LP raro ou um livro antigo em algum sebo. Da mesma forma, não preciso mais ir até ao Centro Cultural São Paulo ou à Biblioteca Mário de Andrade para fazer pesquisas ou algum trabalho escolar. Apesar de ter muita vontade e não ter conseguido ainda, não sinto falta de visitar os museus da Inglaterra ou da França. Tudo isso está apenas a alguns minutos de digitação ou a alguns cliques do mouse do meu computador pessoal. Tenho todas as bibliotecas do mundo no meu quarto. Quem diria que aquele garoto que sonhava em mudar o mundo e não tinha dinheiro para comprar um livro, pudesse ter tudo isso disponível sem precisar fazer nada. A não ser esperar. E envelhecer.

Hoje em dia vejo a juventude imersa nesse universo online, mas não aproveitando dez por cento do que essa maravilhosa ferramenta nos proporciona. Queria eu ter um YouTube da vida na minha adolescência que eu teria tirado minha banda de garagem do anonimato e talvez hoje fosse um roqueiro famoso.

Mas, apesar disso, estou grato por não ter sido. Essa é uma das vantagens de ser anônimo. Em tempos de internet, não se pode pensar muito alto, não se pode ser maluco de boa cabeça que logo vem um nerd millenial nos irritar.

Não posso reclamar, no entanto. Apesar de sentir que após a pandemia as portas do mercado de trabalho estejam se fechando para os mais velhos, vejo que há novas possibilidades. Por exemplo, o sistema de trabalho híbrido, em que alguns dias da semana os funcionários possam trabalhar de casa, dependendo do tipo de trabalho. Isso também abriu as fronteiras do mundo, porque você agora pode trabalhar em qualquer lugar que tenha uma internet decente. Isso na teoria é muito lindo. Mas, na prática, há alguns percalços. Ainda não está muito claro em algumas vagas que aparecem na internet (sim agora as agências de emprego ficam em casa), se o pagamento dos custos com internet telefone e a manutenção do computador ficará a cargo do funcionário ou da empresa.

Também houve mudanças nos escritórios que são mais positivas, os tais ambientes mais amigáveis, como uma extensão da própria casa, mas isso ainda é privilégio de poucos.

Uma coisa que não entendo é por que quando moramos “longe demais das capitais” como diriam os “Engenheiros do Havaí”, não há oportunidades para trabalhar na empresa. É um problema que tenho percebido muito, algumas companhias chegam a anunciar que só contratam funcionários daquela localidade, ignorando profissionais competentes de cidades vizinhas e até que moram longe, mas que estariam dispostos a se mudarem para aproveitar essa nova oportunidade.

Não sei se há alguma regra específica que impede as empresas de mudar isso. Quero acreditar que não é devido aos gastos com vale-transporte como muitos dizem. Chego a pensar que deve ser por isso que existem tantos moradores em comunidades ou barracos debaixo dos viadutos. Na impossibilidade de conseguir algo na sua cidade, muitos brasileiros se arriscam a ficar na rua até conseguirem um emprego e consequentemente um lugar decente para morar.

Essa é a desvantagem de ser um profissional invisível, ou seja, que está fora dos padrões exigidos pelos algoritmos e empresas e só em último caso (ou por indicação) consegue uma vaga decente.