Sergio Weinfuter

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A dança fantasma

A dança fantasma

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Para o mês de outubro considerado o mês das bruxas em boa parte do mundo e no dia 31 celebrando-se o dia delas, me pareceu apropriado escrever sobre a dança fantasma. Essa dança não é tão conhecida do público em geral, ficando seu conhecimento mais restrito as pessoas que pesquisam e estudam história, principalmente história americana. Isso não quer dizer que ela seja menos importante do que outras danças mais conhecidas, inclusive alguns perderam suas vidas por terem participado desta dança.

Segundo Ingrid que organiza o site “Guerreiros Sioux” (2017) “A Dança Fantasma foi um movimento religioso desenvolvido entre os índios norte-americanos no século XIX. O ritual incluía movimento circulares para a esquerda, com os índios de mãos dadas e teve início com os líderes espirituais pauite Wodziwob (1869) e Wovoka (1889) e se espalhou por diversos povos indígenas incluindo Cheyenne e Sioux.”

bb25a932.jpgEsse ritual saiu do círculo das diversões e se tornar um dança séria para as tribos indígenas, que na época estavam sendo massacradas e perdendo suas terras para o avanço do homem branco. O desespero do povo nativo era tão grande ao verem suas terras sendo roubadas pelos brancos, que nessa dança eles encontravam promessas de algum tipo de conforto, mesmo que isso tenha sido somente na aparência, pois a expansão do homem branco continuava.

Através desse ritual, os índios anunciavam ter visões sobre a um futuro sem homens brancos e a recuperação das terras indígenas.” De alguma forma os nativos se agarravam as suas crenças na busca de algum tipo de salvação para suas tribos que estavam sendo dizimadas. Mas em vez destas visões serem benéficas paras as tribos e trazerem paz e conforto a elas, a repercussão das visões trouxe efeito contrário entre os brancos. “Os colonos também julgaram que o ritual tratava-se de preparativos para guerra e acabaram por pedir auxílio do governo.” (Ingrid, 2017)

Com isso “O clima que já estava tenso entre índios e brancos se tornou pior após os rituais da Dança Fantasma. Estes eventos culminaram no Massacre de Wounded Knee em 1890 que acabou por selar o fim do movimento e dizimar os povos Sioux. Após o massacre a Dança Fantasma se tornou ilegal e continuo sendo praticada de forma clandestina, mas perdeu força com o passar do tempo devido ao medo de novas retaliações.” (Ingrid, 2017)

Mas que tipo de dança era essa que deixava o homem branco nervoso, sentindo-se ameaçado?

Segundo a escritora brasileira Julia Queiroz (2010) “A dança geralmente inicia-se no meio da tarde ou depois, após o crepúsculo. Quando começa a tarde, há sempre um intervalo de uma ou duas horas para o jantar. O anuncio é feito pelos apregoadores, homens velhos que tomam a seu cargo essa função por um acordo tácito. Eles percorrem a aldeia gritando as pessoas que se preparem para a dança.”

Antes do início da cerimônia “A pintura e a vestimenta é um trabalho preliminar que exige duas horas aproximadamente.” Diz a escritora. “Quando tudo esta pronto os lideres se encaminham para o local da dança e dão-se as mãos, formando um pequeno circulo. Sem saírem de seus lugares entoam a canção de abertura, consoante um acordo prévio, a uma suave meia-voz.” (Ingrid, 2017) Deveria ser um belo espetáculo!

064ba2e5.jpgLogo em seguida e “Depois de repetir a canção inteiramente, elevam a voz à sua potência plena e cantam novamente, desta vez girando o circulo vagarosamente.” A peculiaridade particular desta dança que as diferencia das demais danças nativas é que “O passo é diferente da maioria de outras danças de índios, mas muito simples; os dançadores movimentam-se da direita para a esquerda, seguindo o curso do sol, avançando o pé esquerdo e seguindo-o com o direito, mal levantando os pés do solo. Por este motivo os chochones chamam-na de 'dança do arrasto'.” (Ingrid, 2017)

Nessa cerimônia em particular “As canções são todas adaptadas ao compasso simples do passo da dança. À medida que a canção se eleva e se intensifica as pessoas saem de suas tendas individualmente e em grupos e, uma após outra, unem-se ao circulo até que um grande número de homens, mulheres e crianças, cinqüenta (sic) ou quinhentos, esteja participando da dança.” (Ingrid, 2017)

Porém há variações nesta celebração, adaptando-se aos números de participantes, ou seja, “Quando o circulo é pequeno cada canção é repetida durante um certo número de vezes que o circulo gira. Se for grande, a canção é repetida somente o tempo que durar um giro do circulo, o que é medido pelo regresso dos lideres ao ponto de partida.” Mas não importando o número de participantes da cerimônia “Cada canção começa da mesma maneira: o canto é iniciado a meia-voz e os cantores permanecem nos mesmos lugares; depois cantam a plena voz e começam a girar o circulo.” (Ingrid, 2017)

Depois de terminar essa primeira parte do ritual “Fazem-se intervalos entre as canções, mais especificamente depois do inicio dos estados de êxtase, quando os dançadores largam-se as mãos e sentam-se para fumar ou falar durante alguns minutos. Nesta oportunidade os lideres as vezes proferem alguma comunicação ou sermão breve, ou relatam a recente experiência de estado de êxtase do dançador.” (Ingrid, 2017)

O interessante que enquanto eles estão dançando e cantando durante a cerimônia, “Ao segurarem a mão um do outro, os dançadores geralmente entrelaçam seus dedos, em vez de agarrarem as mãos como nós o fazemos. Só um índio conseguiria equilibrar a manta sobre os ombros nessas circunstâncias.” (Ingrid, 2017) Para nós seria um verdadeiro malabarismo, mas eles conseguiam fazer com tranquilidade, pelo menos aparentemente.

Todos os membros da tribo participavam da cerimônia, ninguém é deixado de lado, inclusive participam “Pessoas de idade com passos incertos e apoiadas em cajados e crianças pequenas que mal aprenderam a andar às vezes participam do circulo, e os dançadores mais vigorosos ajustam seus movimentos à debilidade dessas pessoas.” (Ingrid, 2017) Uma forma de integração social, muito antes desta palavra sequer existir.

ff621d27.jpgTambém aconteciam coisas curiosas durante a cerimônia, não somente protagonizadas pelas pessoas que se diziam possuídas por alguma entidade espiritual, mas pessoas participantes da dança conscientemente acabavam sendo protagonistas de algumas cenas no mínimo inusitadas. Por exemplo entre os participantes “É comum ver uma mulher com um bebê amarrado às costas unir-se ao círculo e dançar, mas se ela demonstrar o menor sinal de que vai experimentar uma comoção amigos e vigilantes afastam-na de seu lugar para que a criança nada sofra.” (Ingrid, 2017)

Durante a realização da cerimônia o cuidado com a segurança dos participantes é total. Não somente os chamados vigilantes ficam de olhos em todos que estão participando da dança, mas também eles têm o cuidado de certificar-se que tudo está em ordem, seguros de que nada atrapalhe o andamento dela. Por isso de antemão “Os cães são afastados da vizinhança do círculo para evitar-se que esbarrem em alguém que entrou em estado de êxtase e o acorde. Os próprios dançadores tomam cuidado para não perturbar aqueles que estão em êxtase enquanto suas almas estão no mundo espiritual.” (Ingrid, 2017) Afinal de contas, estavam se comunicando com os espíritos e todo o cuidado é pouco, inclusive para não perturbar estes espíritos que se manifestavam através dos membros de sua tribo. Sempre havia o temor de deixar os espíritos irritados.

Esse cuidado também se revela no vestuário utilizado para cerimônia. “Usa-se a indumentária indígena completa: roupa de pele de gamo, pintura e penas, mas entre os sioux as mulheres deixaram de lado os cintos decorados com discos de prata alemã, porque o metal proviera do homem branco. Entre as tribos do sul, pelo contrario (sic), as vezes usa-se chapéus nas danças, embora isso não esteja rigorosamente de acordo com a doutrina.” (Ingrid, 2017)

Segundo testemunho de James Mooney (1890) um etnógrafo americano que viveu por vários anos entre os Cherokee. “Não se usam tambores, chocalhos ou outros instrumentos musicais na dança, às vezes a uma exceção a esta regra quando um dançador individual faz uma imitação de uma visão de estado de êxtase.” Ele fez grandes estudos de índios do Sudeste, bem como aqueles nas Grandes Planícies sobre essa dança e conhecia profundamente o hábito dessas tribos.

A dança fantasma não é uma dança comum, não somente pelo apelo sobrenatural, mas também pela falta de instrumentos que marcam o ritmo do ritual. O cerimonial é feito todo a capela e “È particularmente neste aspecto que a Dança dos Fantasmas difere de todas as outras danças dos índios.” (Ingrid, 2017)

Também existem algumas variações durante a realização da dança dos fantasmas, dependendo da tribo que está realizando o ritual. Uma delas é que “[…] nenhuma tribo faz fogueiras dentro do circulo, com exceção dos Walapais. Os cheyenes do norte, contudo, fazem quatro fogueiras de maneira singular, fora do circulo [...].” (Ingrid, 2017)

Outra variação se deve ao objeto que é colocado no centro do local da cerimônia. Quase sempre “Na maioria das tribos a dança era realizada em volta de uma arvore (sic) ou poste plantado no centro, com decorações heterogêneas. Nas planícies do sul, entretanto, só os kiowas parecem ter seguido esta pratica, pois as vezes dançam em volta de um cedro. Ao desfazerem o circulo ao termino da dança os participantes sacudiam as mantas ou xales no ar, cujo objetivo era afastar todas as más influências.” (Ingrid, 2017)

80687a09.jpgNo fim da cerimônia, quando os espíritos já haviam falado com os participantes e todos estavam felizes com as promessas e profecias que ouviram, se fossem boas ou preocupados com elas, se fossem desfavoráveis a tribo, finalizam a dança. Na sequência ao término dela e “Sob instruções posteriores do messias todos iam banhar-se no rio, os homens em um lugar e as mulheres em outro, antes de voltarem a suas tendas. A idéia (sic) de livrar-se de coisas malignas, tanto espirituais como físicas, banhando-se em água corrente, é algo por demais natural e universal e dispensa comentários…” (Ingrid, 2017) Dessa forma estava finalizada a cerimônia conhecida pelo sugestivo nome de “Dança Fantasma.”

Ao que tudo indica nada havia de sobrenatural nesta dança, que até certo modo era inofensiva, mas para o homem branco que nada entendia da cultura indígena, era uma dança que os deixavam inquietos. Contribuindo com essa crença do homem branco e utilizando o medo como forma de pressionar, muitos messias tribais atribuíam a dança fantasma, uma magia que faria com que o homem branco desaparece das terras indígenas, mas é claro que isso era somente superstições.

Unindo-se a esta crença estava o chefe da tribo dos Sioux Touro Sentado. Ele “[…] chegou a ser famoso por conduzir três mil e quinhentos índios sioux e cheyenne contra o Sétimo Regimento de Cavalaria Americana, que estava sob as ordens do general Custer, na batalha de Little Bighorn em 25 de junho de 1876, na qual o exército federal foi derrotado.” (Wikipédia, 2018)

Depois de sua grande vitória e “Perseguido pelo exército dos Estados Unidos, Touro Sentado levou os seus homens até ao Canadá, onde permaneceram até 1881. Neste ano regressou com a sua tribo aos Estados Unidos para que a sua gente se entregasse e acabasse assim a guerra. Touro Sentado não conseguiu uma porção de terras canadenses, porque a Rainha Vitória o considerava um selvagem dos Estados Unidos.” (Wikipédia, 2018)

Segundo historiadores, “Touro Sentado teria se sentido atraído pela Dança dos Fantasmas, grupo religioso fundado pelo suposto messias Wovoca. Segundo o profeta, que se dizia o próprio Cristo, a dança faria com que no próximo ano a terra engolisse os homens brancos das terras dos índios. O governo dos Estados Unidos viu nestas danças uma ameaça e enviou uma polícia índia para prender o chefe hunkpapa. Touro Sentado e seu filho morreram baleados na luta que se seguiu à tentativa de prisão.” (Wikipédia, 2018)

Isso também resultou no massacre de sua tribo e demais tribos dos povos indígenas americano, que subjugados foram colocados em assentamentos imprestáveis e o homem branco ficou com suas férteis terras que tinham habitado desde tempos imemoriais. A dança fantasma foi somente mais uma desculpa do homem branco para que o povo nativo fosse massacrado e a marcha da conquista do oeste americano selvagem, fosse perpetrada.

Com o terror que o homem branco dizia possuir desta cerimônia tribal, ela foi marginalizada, proibida e por fim esquecida. Hoje somente figura em alguns livros de história indígena, até onde se sabe, não existem praticantes dela. Ficou somente sua lembrança na mente supersticiosa do homem branco e seu medo do desconhecido, do incompreensível.

Em busca de aventura, dinheiro, glória e riquezas, o homem branco invadiu a terra dos nativos, destruiu sua cultura, massacrou sua gente, destruindo para sempre seu modo de vida, mas a sabedoria nativa continua ensinando ainda hoje. Não há necessidade do homem branco ter medo de uma dança, nem mesmo da dança fantasma, pois há coisas muito mais importante na vida do a sede de riquezas, conquistas ou glória. A sabedoria nativa tinha consciência disso, bem antes do homem branco chegar e ela serve de alerta para os dias de hoje mais do que nunca dizendo: "Quando a última árvore for cortada, quando o último rio for poluído, quando o último peixe for pescado, aí sim eles verão que dinheiro não se come…" (Provérbio Sioux)

Parece que o homem branco nada aprendeu com a sabedoria da cultura que dizimou, a terra nunca o engoliu, a conquista do oeste se confirmou, sobrou somente o medo infundado de uma dança, um ritual que nada tem de fantasma! Mas...


"Tudo está ligado, como o sangue que une uma família.
Todas as coisas estão ligadas.
O que acontece a Terra recai sobre os filhos da Terra.
Não foi o homem que teceu a trama da vida.
Ele é só um fio dentro dela.
Tudo o que fizer à teia, estará fazendo a si mesmo
Todas as coisas estão ligadas.
O que acontece a Terra recai sobre os filhos da Terra.
Não foi o homem que teceu a trama da vida.
Ele é só um fio dentro dela.
Tudo o que fizer à teia, estará fazendo a si mesmo." 
(Touro Sentado, Chefe Sioux)Autor em Título da fonte


Meu blog:

http://guerreiro-das-sombras.webnode.com/


Para saber mais:

QUEIROZ. Júlia, A Dança dos Fantasmas- SIOUX. Disponível em: https://escritorajulia.wordpress.com/2010/08/24/a-danca-dos-fantasmas-sioux/ Acesso em: 20/10/2018

____Ingrid. O Que Foi a Famosa Dança Fantasma (Ghost Dance)? Disponível em: http://guerreirossioux.blogspot.com/2017/01/o-que-foi-famosa-danca-fantasma-ghost.html Acesso em: 20/10/2018

____Touro Sentado. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Touro_Sentado Acesso em: 22/10/2018


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